O Auditor-Fiscal Luís
Alexandre Faria, em mais um depoimento, descreveu a situação encontrada em
várias ações de fiscalização no ramo de confecções, em que o trabalho escravo
urbano foi caracterizado, envolvendo marcas famosas e trabalhadores estrangeiros
A
exploração de trabalhadores a condições análogas à escravidão no ramo de
confecções em São Paulo foi tema novamente de audiência pública na Comissão
Parlamentar de Inquérito – CPI da Câmara destinada a investigar o Trabalho
Escravo no Brasil. O Auditor-Fiscal do Trabalho Luís Alexandre Faria,
coordenador do Grupo de Combate ao Trabalho Escravo Urbano da Superintendência
Regional do Trabalho e Emprego do Estado – SRTE/SP, fez um balanço sobre as
operações e sobre as condições em que as vítimas foram resgatadas.
De
acordo com o presidente da CPI, deputado Claudio Puty (PT/PA), parlamentares
integrantes da Comissão acompanharam, em junho, uma operação que flagrou
trabalho análogo à escravidão na empresa de confecções Talita Kume na capital
paulista. “As coisas que vimos foram muito interessantes e chocantes no que diz
respeito à degradação do trabalho urbano”, disse Puty.
Luís
Alexandre entregou ao presidente, para constar como elemento na investigação da
CPI, uma cópia do relatório da fiscalização que responsabiliza a Talita Kume
pela exploração de, pelo menos, 16 oficinas de costura clandestinas e por
manter trabalhadores imigrantes sul-americanos sob condições análogas à de
escravos. Ele também disponibilizou o relatório de uma CPI sobre o tema, realizada
em 2005, pela Câmara Municipal de São Paulo.
Puty
explicou que a CPI resolveu realizar mais uma audiência pública sobre trabalho
escravo urbano para dar um retorno à sociedade sobre os resultados das
atividades realizadas em São Paulo. No mês passado, a Comissão ouviu
representantes de grandes lojas de roupas e de marcas famosas. As oficinas que
prestavam serviço aos estabelecimentos foram flagradas pelo Ministério do
Trabalho e Emprego - MTE submetendo trabalhadores, na maioria, estrangeiros em
situação irregular no país, a condições análogas à escravidão e expostos a
riscos de acidentes.
Também
participaram da audiência Juliana Armede, membro titular da Comissão Estadual
de Combate ao Trabalho Escravo – COETRAE/SP, Luiz Carlos Michele Fabre, procurador
do Trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho de Osasco/SP, Oriana Isabel
Jara Maculet, presidente da ONG – Presença da América Latina e o Padre Roque
Renato Pattussi, coordenador do Centro de Apoio ao Migrante – CAMI.
Operações
Segundo
Luiz Faria, a SRTE/SP, em conjunto com os parceiros na Coetrae, prioriza a
fiscalização de grandes redes, tanto varejistas, quanto atacadistas do
vestuário, nas operações de combate ao trabalho escravo. “As empresas flagradas
descuidam da cadeia produtiva e permitem que sua rede de abastecimento de peças
seja alimentada por oficinas que exploram trabalhadores brasileiros e
estrangeiros”.
Ele
contou que a CPI sobre o tema na Câmara Municipal de São Paulo, que recebeu
muitas denúncias sobre o trabalho escravo na capital paulista, concluiu que o
poderoso mercado de vestuário de São Paulo se escora fortemente em uma ponta
fraca: a da mão de obra análoga à escravidão. “Enquanto os números do comércio
impressionam pela pujança, um grande número de trabalhadores premidos pela
necessidade e vulnerabilidade em que se encontram se submetem a condições
desumanas”.
O
Auditor-Fiscal destacou que a primeira grande rede do vestuário
responsabilizada por obter seus produtos a partir de oficinas flagradas
explorando trabalho escravo, foi a rede de lojas Marisa, em 2010. Ele relatou
que a foto de uma mãe boliviana amamentando a filha enquanto costurava em uma
dessas oficinas ficou conhecida internacionalmente. “Ela exercia uma jornada de
quinze horas por dia”.
Após
o flagrante, segundo Luiz Faria, a Marisa regularizou a situação de sua cadeia
produtiva. Antes do flagrante, a rede possuía aproximadamente 600 fornecedores.
“Em 2012, esse número diminuiu e a Marisa passou a exigir, da sua cadeia de
fornecedores, o cumprimento rigoroso de medidas de respeito à dignidade dos
trabalhadores”.
Em
2011, o segundo grande flagrante em São Paulo envolveu a rede Pernambucanas,
quando foram encontradas 17 oficinas clandestinas produzindo 141 mil peças de
roupa sem nenhuma formalização trabalhista. As oficinas também ficavam
“escondidas” em locais de difícil acesso. “Os trabalhadores exerciam longas
jornadas. Encontramos muitas crianças em ambientes hostis e perigosos de
trabalho. Mães de família cuidando de seus filhos e costurando”, disse.
Luiz
Faria lembrou que, nesses casos, as investigações realizadas pela
Auditoria-Fiscal do Trabalho concluíram que, apesar das oficinas serem
prestadoras de serviço, a empresa compradora é a verdadeira responsável pela
exploração. “Essas empresas desenvolvem uma peça, fixam quais são os insumos
que devem ser aplicados na produção, fixam prazos, fixam estilo”.
Durante
as operações nas grandes redes, também encontraram evidências de servidão por
dívidas. Os trabalhadores pagavam as taxas de imigração e alguns exerciam
jornada excessiva para pagá-las. “A eles era dito que essas despesas seriam
pagas para as autoridades brasileiras, dando a entender, de forma errada, que o
Poder Público também participa dessa situação, o que gera no trabalhador o medo
de denunciar”.
No
caso das lojas Pernambucanas, os Auditores-Fiscais encontraram oficinas sem
condições de higiene e com risco de incêndio. Os trabalhadores, inclusive as
crianças, tomavam banhos gelados. “São condições bastante extremas e
humilhantes”, afirmou.
Sobre
a investigação em relação à grife espanhola Zara, ele lembrou que, assim como
as Pernambucanas, não foi feita uma auditoria nas empresas intermediárias, ao
contrário do que as empresas alegaram.
Nas
oficinas da Zara, os Auditores-Fiscais flagraram as oficinas sem
infraestrutura, sem condições adequadas de saúde, segurança e higiene, com
instalações elétricas precárias, com máquinas desprotegidas e risco de
incêndio. Algumas foram interditadas. “Essas pessoas trabalham e moram nesses
locais com os seus filhos. O ambiente é propício a doenças e as crianças são as
primeiras a sofrerem”, ressaltou Luiz Faria.
Ele
também citou o caso da grife Gregory, cujas oficinas também foram flagradas
pelo MTE explorando trabalho análogo à escravidão em São Paulo. A representante
da empresa afirmou, em depoimento à CPI, que a loja apenas sugeria as peças
para os fornecedores. “Mas, no site da Gregory há informações sobre a
distribuição dos produtos, a escolha dos tecidos, que a loja cria as peças e
determina tendências. Também trata da indicação dos fornecedores. Portanto, a
empresa tem um nível de gerência muito grande sobre esse processo”.
Durante
a fiscalização das oficinas da Gregory, crianças foram encontradas manipulando
tesouras e não havia estrutura para armazenamento e manuseio de alimentos.
Todos
os trabalhadores resgatados nas operações receberam as verbas rescisórias.
Talita Kume
A
investigação mais recente no ramo de confecções, realizada em junho, envolve a
empresa atacadista Talita Kume, que atua na região do Bom Retiro, na capital
paulista. Como foi dito por Cláudio Puty, deputados integrantes da CPI
testemunharam os flagrantes de exploração dos trabalhadores das oficinas a
condições análogas a de escravos realizados pelos Auditores-Fiscais do
Trabalho.
Luiz
Faria relatou que um dos trabalhadores bolivianos, com 17 anos, foi encontrado
com documento falso. Ele havia fugido de casa aos 14 anos. “Durante a
diligência, no dia 19 de junho, esse rapaz recebeu o seu primeiro documento
válido desde os 14 anos: uma Carteira de Trabalho brasileira”.
Leia aqui reportagem
da Repórter Brasil sobre a fiscalização na Talita Kume.
Leia
também matéria de cobertura da Agência Câmara sobre a audiência na CPI do
Trabalho Escravo.
Fonte: Sindicato Nacional
dos Auditores Fiscais do trabalho