No maior
polo de confecção do país, comerciantes que vendem no atacado e no varejo não
resistem à crise. Placas de ‘aluga-se’ ou ‘passo o ponto´ proliferam pelo
bairro.
Os sinais
de que a crise não seria algo fácil de enfrentar surgiram logo no início do
lançamento da coleção outono-inverno. Na semana em que as peças foram expostas
nas vitrines, no início de março, as lojas estavam às moscas.
Dois
meses depois, em um período em que as vendas de artigos para o frio deveriam
estar fervilhando, as lojas de atacado e varejo do bairro do Bom Retiro, o
maior polo de confecções do país, localizado na região central de São
Paulo, com movimento anual da ordem de R$ 3,5 bilhões, estão em plena
liquidação ou simplesmente fechando as portas.
“Estamos
praticamente vendendo com prejuízo para ver se entra algum dinheiro no caixa”,
afirma Valdenice Pereira da Silva, gerente da Infinite, loja de roupa feminina
localizada no coração da Rua José Paulino, a principal rua do bairro.
Tradicionalmente,
a liquidação no Bom Retiro ocorre no mês de julho. Neste ano,
informa Valdenice, o corte nos preços foi antecipado para o final de
abril, antes mesmo do Dia das Mães, o segundo melhor período de vendas para o
comércio, depois do Natal.
Diferentemente
de anos anteriores, a Infinite não está sozinha. A maioria das lojas das ruas
José Paulino, Silva Pinto, Aimores, Anhaia, Júlio Conceição, Professor
Lombroso, Rua da Graça anuncia liquidação de até 50% para quem compra no
atacado, a especialidade do bairro, e no varejo.
Convidamos
um dos mais tradicionais empresários do bairro para percorrer essas ruas,
na terça-feira, 26/05, a fazer uma avaliação da situação dos
negócios na região, que chega a empregar cerca de 70 mil pessoas diretamente.
“Desde
1963, venho praticamente todos os dias no Bom Retiro. Nunca vi em todo esse
tempo tantas placas de ‘aluga-se’ como neste ano. É uma placa atrás da
outra”, afirma Stefanos Anastassiadis, 71 anos, sócio-fundador da Controvento,
confecção e loja de atacado e varejo de roupas femininas, com sede na Rua dos
Italianos.
A
história de Stefanos e do irmão Antônio, de origem grega, no bairro
começa em 1963, com uma oficina de plissê de saias, montada pelo pai.
A empresa possuía mão-de-obra e máquinas especializadas para fazer
pregas em peça de vestuário (principalmente, em saias) ou em tecido.
Os
serviços se ampliaram, em seguida, para costuras de roupas. Em 1970, os irmãos
já estavam preparados e capitalizados para criar a Fé Modas, uma confecção
especializada em roupas femininas, batizada com o nome fantasia de Controvento.
“Como não
tínhamos nada naquela época, optamos pelo nome Fé porque precisávamos de fé
para tocar a vida e os negócios. O nome Controvento surgiu porque prevíamos, já
naquela época, que teríamos de andar contra o vento neste país, onde é preciso
encarar tudo com sabedoria, como a crise deste ano”, diz Stefanos.
A partir
da Controvento, na Rua dos Italianos, Stefanos sai andando para mostrar para a
reportagem as lojas que fecharam as portas. “Uma tristeza”. Em todas as ruas do
bairro há placas de “aluga-se”. As que possuem mais pontos comerciais vagos
estão localizadas, principalmente, as ruas Anhaia, Júlio da Conceição e parte
da Rua da Graça.
“Não vou
revelar quem são os donos porque ninguém admite que está
fechando loja por causa da crise. Isso é péssimo para os negócios. Terça-feira
é um dia da semana que o bairro costumava receber lojistas de todos
os Estados brasileiros. Era impossível andar por aqui, às terças-feiras, nesta
época do ano. Hoje, está cheio de lugar para estacionar”, diz.
O Bom
Retiro possui cerca de 1.600 lojas. Chegou a ter 2.200 há cerca de oito anos.
Em fevereiro deste ano, havia 160 pontos comerciais fechados no bairro, o dobro
do mesmo período do ano passado, segundo levantamento realizado pela Câmara de
Dirigentes Lojistas (CDL) do Bom Retiro.
“Estávamos
acostumados, há quatro ou cinco anos, a começar o ano com cinco a dez lojas
fechadas. Geralmente, é um período no qual as lojas fecham para reformas ou
mesmo para passar o ponto, uma rotatividade normal. Os números deste ano
assustaram”, afirma Kelly Cristina Lopes, secretária executiva da CDL do Bom
Retiro.
A Luxo
Mix, localizada na Rua Júlio Conceição, exibe a placa “Passo o ponto”. Thaís
Lopes, gerente da loja, diz que o proprietário, de origem coreana, decidiu
ficar só com a unidade da Rua José Paulino. “As vendas estão fracas e o
aluguel está caro”, diz ela. Há dois meses, a loja ao lado que, segundo ela,
chamava-se G. Rock, também fechou.
A
Triângulo Modas também decidiu ficar com apenas uma loja no bairro, a da José
Paulino. Fechou o ponto da Rua da Graça por conta da queda nas vendas e do
aluguel alto. Outras lojas que fecharam: Lua Luana (acessórios e bolsas),
Colorida (roupas femininas de moda) e Pirulito Mágico (roupas infantis).
A Semine,
confecção especializada em atacado de roupas femininas a partir do tamanho 44,
que fica na mesma calçada da Luxo Mix, ainda resiste. “Desde o ano passado
vem caindo muito o número de lojistas por aqui, devido à queda
no consumo”, afirma Eva Tavares de Lima, caixa da loja.
Quando
chegou à empresa, há cerca de um ano, diz Eva, havia seis ‘piloteiras’, pessoas
especializadas em fazer peças-piloto das coleções. Agora, só tem uma. “A confecção
reduziu muito. São cinco pessoas que cuidam da produção e uma que cuida do
estoque”, diz Eva.
Prevendo
que a crise seria intensa, alguns lojistas decidiram até “pular” a coleção de
inverno. É o caso da Chadely, localizada na Rua dos Italianos. As prateleiras
da loja já exibem regatas e outras peças leves para serem usadas no verão.
“Falta
dinheiro para bancar a produção de peças mais pesadas, que são mais caras, por
isso, muitas lojas produziram pouquíssimas roupas para o frio”, diz Stefanos,
enquanto caminha e comenta as informações dos lojistas.
“Costumo
comparar o setor de vestuário com o da agricultura. Há duas estações básicas, a
do inverno e a do verão. Às vezes, o inverno é curto, improvável”, diz.
TRADIÇÃO
Stefanos
conta que o polo de confecção do Bom Retiro é um dos mais antigos do país e já
foi palco de diversas gerações de empresários. Foi, inicialmente, reduto
de empreendedores de italianos. Depois de judeus, gregos e agora está na
fase dos coreanos, que dominam cerca de 60% dos pontos comerciais da região.
Há casos
de coreanos que, com a crise, simplesmente fecham as portas e somem da região.
Quando os negócios voltam a aquecer, eles voltam.
O
empresário da região, segundo Stefanos, é considerado de porte médio. É aquele
que possui uma pequena confecção e uma, duas ou três lojas no próprio bairro.
No
passado, as confecções tinham mais funcionários e terceirizavam uma parte da
produção. Atualmente, quase toda a produção é sub contratada, até porque as
empresas não possuem capital suficiente para manter empregados fixos durante o
ano todo.
“Há
grandes organizações que são prestadoras de mão-de-obra. Para as confecções e
para esses prestadores de serviços, há uma tremenda vantagem em trabalhar
assim. Para nós é bom porque focamos no produto”, diz Stefanos.
“Se você
tem uma empresa que vende calça, você vai contratar especialistas em calça, que
possuem o maquinário completo para isso. Se você faz vestido de festa, vai
chamar especialistas em vestido de festa. Para quem presta serviço também é bom
porque essa empresa consegue produzir para vários clientes (confecções), não
fica dependente de uma empresa só”, diz.
Uma
curiosidade no bairro é que, apesar de haver pontos comerciais disponíveis
acima do normal, os preços dos aluguéis praticamente não se alteraram, um sinal
de que os donos dos imóveis ou das lojas consideram que este momento de crise
pode ser passageiro.
Nas ruas
Aimorés, Professor Lombroso e José Paulino, os aluguéis caíram cerca de 10% de
um ano e meio para cá, assim como os valores dos pontos comerciais,
negociados em dólares, que ficam na casa de US$ 300 mil a US$ 350
mil.
Nas ruas
mais afastadas, onde estão mais concentradas as confecções, os aluguéis já
caíram entre 15% e 20%, segundo informa a imobiliária Hai, que atua na
região. Em algumas ruas, como a Júlio Conceição, também já não existe mais
negociação de luvas para pontos comerciais.
“Os
proprietários estão conscientes sobre a realidade do mercado e solidários com
os seus inquilinos, que solicitam descontos para tentar permanecer com o seu
negócio saudável. Melhor reduzir o preço do que ter o imóvel desocupado”, diz
Adriana Weizmann, sócia da Hai. “O Bom Retiro continua sendo um bairro bem
procurado por comerciantes e consumidores”, afirma.
Fonte: Sindivestuário - São Paulo