sexta-feira, 13 de julho de 2012

Setor de confecções é tema novamente de audiência na CPI do Trabalho Escravo


 O Auditor-Fiscal Luís Alexandre Faria, em mais um depoimento, descreveu a situação encontrada em várias ações de fiscalização no ramo de confecções, em que o trabalho escravo urbano foi caracterizado, envolvendo marcas famosas e trabalhadores estrangeiros 

A exploração de trabalhadores a condições análogas à escravidão no ramo de confecções em São Paulo foi tema novamente de audiência pública na Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI da Câmara destinada a investigar o Trabalho Escravo no Brasil. O Auditor-Fiscal do Trabalho Luís Alexandre Faria, coordenador do Grupo de Combate ao Trabalho Escravo Urbano da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Estado – SRTE/SP, fez um balanço sobre as operações e sobre as condições em que as vítimas foram resgatadas.

De acordo com o presidente da CPI, deputado Claudio Puty (PT/PA), parlamentares integrantes da Comissão acompanharam, em junho, uma operação que flagrou trabalho análogo à escravidão na empresa de confecções Talita Kume na capital paulista. “As coisas que vimos foram muito interessantes e chocantes no que diz respeito à degradação do trabalho urbano”, disse Puty.

Luís Alexandre entregou ao presidente, para constar como elemento na investigação da CPI, uma cópia do relatório da fiscalização que responsabiliza a Talita Kume pela exploração de, pelo menos, 16 oficinas de costura clandestinas e por manter trabalhadores imigrantes sul-americanos sob condições análogas à de escravos. Ele também disponibilizou o relatório de uma CPI sobre o tema, realizada em 2005, pela Câmara Municipal de São Paulo.

Puty explicou que a CPI resolveu realizar mais uma audiência pública sobre trabalho escravo urbano para dar um retorno à sociedade sobre os resultados das atividades realizadas em São Paulo. No mês passado, a Comissão ouviu representantes de grandes lojas de roupas e de marcas famosas. As oficinas que prestavam serviço aos estabelecimentos foram flagradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE submetendo trabalhadores, na maioria, estrangeiros em situação irregular no país, a condições análogas à escravidão e expostos a riscos de acidentes.

Também participaram da audiência Juliana Armede, membro titular da Comissão Estadual de Combate ao Trabalho Escravo – COETRAE/SP, Luiz Carlos Michele Fabre, procurador do Trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho de Osasco/SP, Oriana Isabel Jara Maculet, presidente da ONG – Presença da América Latina e o Padre Roque Renato Pattussi, coordenador do Centro de Apoio ao Migrante – CAMI.

Operações
Segundo Luiz Faria, a SRTE/SP, em conjunto com os parceiros na Coetrae, prioriza a fiscalização de grandes redes, tanto varejistas, quanto atacadistas do vestuário, nas operações de combate ao trabalho escravo. “As empresas flagradas descuidam da cadeia produtiva e permitem que sua rede de abastecimento de peças seja alimentada por oficinas que exploram trabalhadores brasileiros e estrangeiros”.

Ele contou que a CPI sobre o tema na Câmara Municipal de São Paulo, que recebeu muitas denúncias sobre o trabalho escravo na capital paulista, concluiu que o poderoso mercado de vestuário de São Paulo se escora fortemente em uma ponta fraca: a da mão de obra análoga à escravidão. “Enquanto os números do comércio impressionam pela pujança, um grande número de trabalhadores premidos pela necessidade e vulnerabilidade em que se encontram se submetem a condições desumanas”.

O Auditor-Fiscal destacou que a primeira grande rede do vestuário responsabilizada por obter seus produtos a partir de oficinas flagradas explorando trabalho escravo, foi a rede de lojas Marisa, em 2010. Ele relatou que a foto de uma mãe boliviana amamentando a filha enquanto costurava em uma dessas oficinas ficou conhecida internacionalmente. “Ela exercia uma jornada de quinze horas por dia”.

Após o flagrante, segundo Luiz Faria, a Marisa regularizou a situação de sua cadeia produtiva. Antes do flagrante, a rede possuía aproximadamente 600 fornecedores. “Em 2012, esse número diminuiu e a Marisa passou a exigir, da sua cadeia de fornecedores, o cumprimento rigoroso de medidas de respeito à dignidade dos trabalhadores”.

Em 2011, o segundo grande flagrante em São Paulo envolveu a rede Pernambucanas, quando foram encontradas 17 oficinas clandestinas produzindo 141 mil peças de roupa sem nenhuma formalização trabalhista. As oficinas também ficavam “escondidas” em locais de difícil acesso. “Os trabalhadores exerciam longas jornadas. Encontramos muitas crianças em ambientes hostis e perigosos de trabalho. Mães de família cuidando de seus filhos e costurando”, disse.

Luiz Faria lembrou que, nesses casos, as investigações realizadas pela Auditoria-Fiscal do Trabalho concluíram que, apesar das oficinas serem prestadoras de serviço, a empresa compradora é a verdadeira responsável pela exploração. “Essas empresas desenvolvem uma peça, fixam quais são os insumos que devem ser aplicados na produção, fixam prazos, fixam estilo”.

Durante as operações nas grandes redes, também encontraram evidências de servidão por dívidas. Os trabalhadores pagavam as taxas de imigração e alguns exerciam jornada excessiva para pagá-las. “A eles era dito que essas despesas seriam pagas para as autoridades brasileiras, dando a entender, de forma errada, que o Poder Público também participa dessa situação, o que gera no trabalhador o medo de denunciar”.

No caso das lojas Pernambucanas, os Auditores-Fiscais encontraram oficinas sem condições de higiene e com risco de incêndio. Os trabalhadores, inclusive as crianças, tomavam banhos gelados. “São condições bastante extremas e humilhantes”, afirmou.

Sobre a investigação em relação à grife espanhola Zara, ele lembrou que, assim como as Pernambucanas, não foi feita uma auditoria nas empresas intermediárias, ao contrário do que as empresas alegaram.

Nas oficinas da Zara, os Auditores-Fiscais flagraram as oficinas sem infraestrutura, sem condições adequadas de saúde, segurança e higiene, com instalações elétricas precárias, com máquinas desprotegidas e risco de incêndio. Algumas foram interditadas. “Essas pessoas trabalham e moram nesses locais com os seus filhos. O ambiente é propício a doenças e as crianças são as primeiras a sofrerem”, ressaltou Luiz Faria.

Ele também citou o caso da grife Gregory, cujas oficinas também foram flagradas pelo MTE explorando trabalho análogo à escravidão em São Paulo. A representante da empresa afirmou, em depoimento à CPI, que a loja apenas sugeria as peças para os fornecedores. “Mas, no site da Gregory há informações sobre a distribuição dos produtos, a escolha dos tecidos, que a loja cria as peças e determina tendências. Também trata da indicação dos fornecedores. Portanto, a empresa tem um nível de gerência muito grande sobre esse processo”.

Durante a fiscalização das oficinas da Gregory, crianças foram encontradas manipulando tesouras e não havia estrutura para armazenamento e manuseio de alimentos.

Todos os trabalhadores resgatados nas operações receberam as verbas rescisórias.

Talita Kume
A investigação mais recente no ramo de confecções, realizada em junho, envolve a empresa atacadista Talita Kume, que atua na região do Bom Retiro, na capital paulista. Como foi dito por Cláudio Puty, deputados integrantes da CPI testemunharam os flagrantes de exploração dos trabalhadores das oficinas a condições análogas a de escravos realizados pelos Auditores-Fiscais do Trabalho.

Luiz Faria relatou que um dos trabalhadores bolivianos, com 17 anos, foi encontrado com documento falso. Ele havia fugido de casa aos 14 anos.  “Durante a diligência, no dia 19 de junho, esse rapaz recebeu o seu primeiro documento válido desde os 14 anos: uma Carteira de Trabalho brasileira”.

Leia aqui reportagem da Repórter Brasil sobre a fiscalização na Talita Kume.  

Leia também matéria de cobertura da Agência Câmara sobre a audiência na CPI do Trabalho Escravo.

Fonte: Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do trabalho