Muito
se discute, mas nada muda na tumultuada relação do governo brasileiro com a
indústria têxtil nacional. As medidas antidumping hoje aplicadas para defender
o setor produtivo do País da competição com os fabricantes estrangeiros,
especialmente asiáticos, não são eficientes para defender um setor tão
fragmentado, que possui diferentes tipos de produto. Fazer um processo
antidumping para cada produto é inviável.
Dentro
desse contexto, o Boletim Informativo Interface resgata texto da competente
repórter Raquel Landim, do Estadão, publicado em janeiro deste ano, detalhando
a "queda de braço" entre o setor têxtil e o governo no Brasil. Ela
consultou profissionais da indústria têxtil (não identificados) que criticaram
o Palácio do Planalto e os ministérios, lamentando a falta de sensibilidade aos
problemas enfrentados pelos empresários da confecção, um setor altamente
empregador.
Nessa
conflituosa relação entram também outros atores. Os grandes varejistas têxteis,
por exemplo, como Renner, Marisa e C&A, trabalham contra a imposição de
cota para importação de roupas, argumentando que a indústria local não tem
condições de atender a demanda nacional. Há, ainda, o consumidor final, o mais
prejudicado de todo esse ciclo já que artigos de vestuários são muito caros no
Brasil. Raquel Landim aponta que, prova disso, é que as malas dos turistas
brasileiros voltam cheias de viagens a Miami, Nova York e até a Europa.
Confira parte do texto a
seguir:
Em
agosto do ano passado, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit)
protocolou um pedido de investigação de salvaguarda para 60 itens do setor de
vestuário, que representam 82% das importações de roupas do País. Estão na
lista camisas, calças, vestidos, saias, roupa infantil, moda praia, roupa
íntima e etc. A salvaguarda é uma cota ou sobretaxa aplicada por alguns anos
para todos os produtos do setor contra todos os países.
O
pedido da Abit continua em análise no Departamento de Defesa Comercial (Decom),
do ministério do Desenvolvimento, que não tem prazo para decidir se abre ou não
o processo. A investigação só começa se o Decom entender que há indícios
suficientes de que um surto de importação está provocando dano à indústria
doméstica. O assunto pode parecer ainda muito preliminar, mas advogados
especializados em defesa comercial explicam que conseguir a abertura do
processo já é um ponto a favor do setor, porque “a pressão aumenta e o relógio
começa a correr”.
Os
técnicos do ministério consideraram “frágil”a petição entregue pela Abit,
principalmente em relação ao dano provocado à indústria doméstica. Pelos dados
apresentados no processo, as importações do setor de confecção cresceram 240%
entre 2007 e 2011 e a participação das roupas vindas do exterior nas compras
dos brasileiros saiu de 3% em 2005 para 9% em 2011. Mas o efeito sobre as
empresas locais ainda é limitado. Em 2011 em relação a 2010, a produção caiu
apenas 1,2%.
O blog
apurou que o governo solicitou a Abit algumas informações adicionais. O Decom
pediu para atualizar os dados, o que significa alterar o período da
investigação de 2007-2011 para 2008-2012. Além disso, quer que sejam incluídas
pelo menos mais 5 empresas no processo, elevando o número de companhias que
abrem seus números para 40, um universo ainda limitado da indústria doméstica,
que soma mais de 30 mil confecções com mais de 5 funcionários.
No
setor, a insatisfação é crescente. “Falta vontade política. O governo está se
escondendo atrás de argumentos técnicos”, disse uma fonte que preferiu não se
identificar. Segundo esse interlocutor do setor privado, os empresários da
confecção reconhecem que a salvaguarda é um instrumento “potente”, mas acham
que “não deve ser mistificado”. A avaliação é que medidas antidumping não são eficientes
para defender um setor tão fragmentado, que possui diferentes tipos de produto
– teria que ser feito um processo antidumping para cada produto, algo
praticamente inviável.
O setor
têxtil é um dos lobbies mais bem organizados do País e diz que não “pretende
jogar a toalha” no pedido de salvaguarda. Um empresário que pediu para
permanecer no anonimato lembra que o setor foi estimulado a entrar com o pedido
de salvaguarda pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que já manifestou
publicamente o seu apoio ao pleito. Segundo uma fonte, a Abit tem mantido
Mantega informado sobre o assunto, mas “o ministro tem assuntos mais urgentes,
com alavancar o crescimento do País”.
Para
fontes do governo, a confecção pode ser “ajudada de outras formas” – uma
hipótese é um alívio tributário. O setor já faz parte da lista dos beneficiados
com a desoneração da folha de pagamentos, mas, paradoxalmente, a medida ajudou
pouco. Muitas confecções terceirizam a costura das roupas – a parte que gera
mais empregos e, consequentemente, mais encargos trabalhistas.